Eliana tinha saído ainda de manha sem acordar ninguém. Vestiu o fato de treino mais grosso que tinha, por cima o impermeável cinzento. Quando a chuva começou a cair de forma descontrolada, Eliana aumentou o passo transformando a caminhada numa corrida. Era muito cedo para andar alguém na rua, para mais com a chuva e sendo o dia que era. Eliana encontrou na chuva o abrigo que precisava, correu com toda a força que o seu corpo lhe permitiu, deixou que cada passo nas poças que se formavam fosse um mergulho num mar de purificação. O cabelo pingava água gelada pelas suas costas abaixo, nem o impermeável conseguia protege-la, mas também não importava, a agua era bem-vinda, o frio que a fazia sentir, a energia que lhe dava. Sentia-se a reviver a cada salto por cima de cada pedra, saltava para tocar nas folhas das árvores que ladeavam a rua, recebendo em cheio a agua que dos ramos transbordava. Sentia. Simplesmente sentia. Era como se a água conseguisse despoja-la da tristeza em que tinha vivido nos últimos dias. Como se fosse uma mão que a acariciava e limpava cada ferida… deixou que o mundo que a rodeava se esbatesse até se tornar apenas uma cortina de agua, um mundo de líquidos coloridos, em reflexos de arco iris na luz dos seus olhos. Eliana abriu os braços, rodando sobre si mesma e sentindo-se una com os dedos gelados de agua que a rasgavam para que de dentro de si saísse de novo a luz e o calor que perdera, para que nascesse de novo uma carne com sentidos, com desejos. Caiu no meio de uma poça de água e sentada, riu. Riu de si, riu da vida. E depois entre risadas chorou. Não eram lágrimas de dor. Era o resultado de uma purga que uma alma ferida como a sua necessitava. Com cada lágrima, uma angústia, com cada suspiro uma corda que se partia libertando o seu coraçao. Sentia culpa, mas como podia sentir culpa se cada célula do seu corpo lhe gritava que o que sentia era correcto, era felicidade pura? Estava cansada de lutar contra uma força mais capaz e mais verdadeira do que qualquer outra. Saturada de negar ao seu coraçao ferido a única coisa que o fazia bater de novo em compassos musicais. As lagrimas surgiam em catadupa.
Sentia o calor das lagrimas, o contraste do frio da chuva. E tinha os sentidos apurados, como se tivesse nascido para um mundo novo. Sentia a vida nas pedras, sentia a respiração da água. Sentia o sopro da luz que a envolvia. Sentia tudo. Tinha ganho vida num sorriso, um sorriso que não conseguia tirar do rosto, uma fome que não era física e que nenhum alimento poderia matar. Deambulou por entre as ruas desconhecidas, afagando as pedras que compunham as paredes antigas das casas, sentindo o frio da pedra macerada pelas grossas gotas que insistiam em cair.
Regressou ao albergue. Ainda todos dormiam.
In: Sopro de Luz
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