Sinto o suor na palma das mãos enquanto tento acalmar a Mara que treme e soluça ao meu lado. Mais um solavanco e todo o avião se enche de gritos e choro. Do lado direito do corredor, mesmo na fila ao lado da nossa, duas freiras rezam ferverosamente. Nos lugares em frente a elas estão o Cláudio com os gémeos.
O resto do nosso grupo foi no voo da manhã com a Marta e os restantes monitores.
O meu irmão ligou-me quando o voo da namorada já tinha saído de França em direcção ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro. O grupo foi dividido em 2. Era a única forma de ficar a este preço. A viagem ao parque da Disney tinha sido fantástica mas muito dispendiosa, assim, quando surgiu esta oportunidade de economizarmos dinheiro na volta, caso alguns de nós viajássemos separados, ocupando lugares por preencher noutros voos, aproveitamos. O dinheiro colectado durante o ano ao longo das festas, missas e convívios, e cantares de janeiras e natal não chegava para levar os miúdos dos 6 aos 17 anos que faziam parte do pequeno grupo de jovens e crianças onde eu, o meu irmão, a namorada dele a Marta e o irmão dela o Cláudio, somos monitores. A nossa igreja ainda deu algum dinheiro, mas ao longo do ano houve despesas e a viagem do grupo de 18 miúdos, com mais 5 monitores causou uma despesa acima do esperado.
A Marta mandou a mensagem ao Miguel a avisar o namorado da partida do seu voo. O meu irmão que teve de ficar em terra a participar numas palestras a fim de conseguir melhorar as nossas instalações, e se possível arranjar uns instrumentos novos, tinha o telemóvel desligado e quando viu a mensagem já a Marta estava a caminho com o grupo dela.
Quando ele me ligou expliquei-lhe o porque da divisão do grupo e que eu e o Cláudio tínhamos ficado com os gémeos e a pequena Mara de 10 anos, a mais nova do grupo, á espera do próximo voo. Íamos chegar com 4h de diferença em relação ao outro avião.
Uma nova turbulência faz inclinar o avião. A voz do piloto soa quase imperceptível por entre os gritos. A mara enroscou-se a mim e agora sinto os seus sedosos cabelos finos por entre os meus dedos, enquanto lhe afago a cabeça e tento perceber o que o piloto diz.
“Senhores passageiros, estamos a enfrentar uma zona de turbulência, vamos desviar-nos um pouco da rota e alterar a nossa altitude.”
As luzes apagaram-se por instantes e procuro na penumbra encontrar Cláudio e os miúdos. O sinal de manter os cintos já se acendeu há muito tempo mas a minha vontade é tirar o meu e ir a correr procura-los.
As hospedeiras andam para trás e para a frente ao longo do corredor a tentar acalmar-nos, mas quando uma passa por mim penso detectar a preocupação no seu olhar.
Nesse momento uma nova guinada faz o avião inclinar todo para a direita, e a minha carteira, junto com mais uns objectos dos passageiros da esquerda são lançados contras a fila do lado. As hospedeiras deixaram de passar no corredor e estão agora também elas sentadas e de cintos postos. Olho pela janela mesmo por cima da asa e a imagem da asa a dobrar arrepia-me totalmente. Beijo a nuca da Mara enquanto lhe murmuro.
- Está tudo bem. Daqui a pouco volta tudo ao normal. - mais para me descansar a mim do que a ela.
Mal falo, nova perturbação agita o avião. Estamos a perder altitude me parece.
Acendem-se as pequenas luzes dos bancos e consigo finalmente encontrar os Gémeos. E o meu olhar encontra o de Cláudio nesse mesmo instante. Um olhar que diz tudo o que o silencio não consegue dizer. Um olhar inflamado e brilhante como que iluminado por chamas. Chamas? Ele aponta para mim. Não entendo. De repente gritos parecem sair do meu peito. Demoro apenas alguns segundos para perceber que é a Mara, ainda ao meu colo que grita a apontar para a janela. A asa do nosso lado está a arder.
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