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29 de dezembro de 2012

Tu

Tu que me corres nas veias
Feito sangue, lágrima, lembrança.
Linfa quente que me comanda
Gélida por vezes
Qual supra-herói desprovido de capa.
Tu que me prendes com garras agridoces
Das quais não sei se me quero livrar.
Tu. Feito sonho. Feito desejo. Feito verdade
Quimera de despojos da felicidade
Resquício de ilusão
Ferves-me no corpo como óleo quente.
Preso a mim,
Seiva que me cobres por dentro.
Tu, que sinto bater nos ouvidos
Que silencias o mundo com a tua voz.
Que guias e comandas
Que sem amar, amas.
Saudade feita dor, feita palavra, feita ferida.
Ferida aberta na carne que não me pertence.
Tu que cegas com a tua luz
Que me sopras ao ouvido
Sussurras com palavras que me rasgam a pele,
Me dominam, me prendem.
Tu, só tu…
Sangue adocicado
Inebriante e viciante.
Envolvida em ti
Sempre, para sempre.
És o brasão da família que me acolhe
À qual sempre regresso
Na qual me perco sem retrocesso.
Tu. Parte de mim e eu em ti.
Prolongamento da minha carne.
Tu. Caminho já percorrido
Caminho que percorro, onde me mantenho.
Porteiro do mundo a que pertenço.
Juiz das provas que venço.
És o ar que respiro
És o fumo que inalo
Hino que canto.
Tu que me embalas
Onda do meu destino
Mar  bravio onde navego
Intempérie que me atinge,
Me sacode.
Raio de trovão que ilumina o meu céu.
És tu. Carrasco da minha pena
Justiça que me condena,
Que me defende e me entrega.
Tu que ditas quem sou.
Prisão onde me sinto
Ventre que me acolhe.
És o ruído de fundo
Banda sonora do filme do meu mundo.
És a chuva que me rega
A areia do deserto do meu peito.
Injecção letal que não me mata
Vem força, herói sem capa
Que me perco ao ter consciência da ausência de ti.
Oh fogo no qual ardo.
Que percorre todo o meu ser.
Raiz que em mim se prendeu.
Alimenta-te do que te dou
Do que no fundo sempre foi teu.
Tu, doce, saudoso tu.
Som agudo que me incapacita
Sirene que não se cala
No farol que me guia.
Tu, força, vida, fermento
Calor, conforto, alimento
Ilusão, truque, magia
Flecha certeira que me feriu
Quase me matou.
Mapa do meu destino
Guia do meu caminho.
Tu que vejo quando sonho
Que me matas a sede de ti.
Toque suave de compreensão,
Motor que impulsiona o meu coração  
Máquina do tempo para a felicidade
Inventor da palavra saudade.
Tu, cura para a dor,
Nascente pura de amor.
Morte que quase me matou
Adrenalina que me salvou.
Tu. Linfa, óleo, sangue
Motor de uma realidade já ida.
Tu. Força, herói, magia
Propulsor da minha vida


27 de dezembro de 2012

A côr de um Anjo 1

Apoio a mão sobre o vidro do autocarro. A mão quase translucida.
Pela janela vejo a paisagem que se desenrola, como um filme em frente dos meus olhos.
Os verdes que brilham ao sol que aquece o mundo para lá do vidro.
O mundo cheio de vidas, no contraste da minha existência.
O meu nome é Celeste e esta é a última viagem de autocarro que farei.

Já passaram três anos desde que fui diagnosticada. Conheço o olhar que me dirigem, sei ler nas entrelinhas do que escrevem nos meus relatórios.
Desde que foi detectado que me preparo para aquele que sei ser o meu fim.
Comecei a fazer estas viagens meio ano depois da primeira operação.
Sentia a vida a pulsar no ronronar do autocarro. Conheci mil vidas. Vidas que vivi e desenvolvi na minha mente, como se fossem a minha.
Vidas que sei que nunca poderei viver.
Apanhei o autocarro em Pombal, irei trocar em Coimbra, para seguir até Viseu onde as minhas sobrinhas de 5 e 8 anos me esperam com um cartaz que passaram a tarde de ontem a pintar. A minha irmã já me contou como elas se sentem orgulhosas do seu projecto.
Tenho quase 45 minutos de espera em Coimbra, entre ligações de autocarros. Como sempre, vou sentar-me na mesa do canto do pequeno bar da central, junto da janela. Vou colocar o caderno de capas negras sobre a mesa e escrever.
Quero contar sobre a menina de 12 anos que se sentou ao meu lado, com um livro de BD na mão e um olhar sonhador.
Chama-se Carla e viaja com a mãe e o irmão de 8 anos, o Sandro.
Ele estava no lugar atrás dos nossos, sentado com as pernas cruzadas sobre o banco. Olhava para mim com um ar muito serio. Ofereci-lhe 1 rebuçado, que ele aceitou meio envergonhado. Continuou a olhar-me enquanto rodava o papel nas mãos e metia o doce na boca.
A Carla apresentou-se e ao resto da família.
Vão a Coimbra visitar o avô que está no hospital.
O Sandro mantinha o olhar preso em mim. Esperou uma destracçao da mãe para se chegar á frente no banco e me tocar no rosto ao de leve.
-És tão linda.
Disse-me tocando com dois deditos no meu rosto.
-És igual á boneca que a mamã tem no quarto. Branquinha e bonita.
A mãe desculpou-se mas eu limito-me a sorrir, pregando de novo o olhar no mundo para lá do vidro.
Só mesmo a inocência e pureza de uma criança para me achar bonita no estado em que estou.
Sempre fui magra, mas agora, com menos 15kg e o brilho baço da doença que me levou a cor da pele e se traduz na palidez macilenta e quase translucida da porcelana, tenho o ar cadavérico do esqueleto que estudámos nas aulas e anatomia.

...


Nasci como o presente inesperado de uma família já por si marcada pelo inesperado.
A minha mãe era uma guerreira. Tinha já tido 3 filhos, todos maiores de idade menos uma, a Maria com 13 anos. Já ninguém esperava um novo bebé. O meu pai tinha emigrado para França e veio a falecer de acidente no ano em que eu nasci.
A nossa casa era humilde, o dinheiro mal chegava para as quatro pessoa que lá viviam, quanto mais para um novo bebé.
A Maria estava prestes a deixar a escola para, também ela, contribuir para a casa.
Os mais velhos já estavam para casar e tudo o que ganhavam servia para começarem as suas novas vidas.
Nasci numa noite de passagem de um cometa. Chamaram-me Celeste por ser como o cometa.
 A minha mãe contou-me que nasci com uma aura brilhante á minha volta e que teve a certeza, no momento em que me depositaram nos seus braços, que seria algo raro e brilhante como um astro celestial.
Fui a preferida dela, sei bem disso. Ela esperava de mim grandes coisas, grandes feitos. Mas o tempo foi tão curto. As oportunidades tao pequenas e as lutas tão longas…
O corpo Celestial que me deu o nome não voltou a passar nesta vida. E nunca o verei passar, sei disso.

24 de dezembro de 2012

Feliz Natal!

Em vez de prendas, desejo que tds tenham alguem k amam por perto, para poderem abraçar! Feliz Natal para tds!!! ;)

19 de dezembro de 2012

Palavras Tristes

Foi-me dito que o que escrevo é triste.
Talvez.
Não sou capaz de escrever poesia sobre as rosas, as pedras, a chuva. Não as sinto. Quer dizer, sinto sim, na superfície da minha pele. Sobre a pele e não dentro dela, não dentro de mim.
Escrevo apenas sobre o que sinto. De dentro para fora e não de fora para dentro.
É triste porque dói. E o que dói é o que sinto. Depois passa… Depois volta…
Tento ao máximo prender as palavras entre os dedos, como um fio de uma linha muito fina, que receio partir ao tentar tece-la em versos.
Versos que sinto correr dentro de mim. Palavras que me pulsam nas veias e correm por todo o meu ser. Palavras que não suporto ter na corrente sanguínea. Que ameaçam transformar-se em coágulos se as não libertar.
Mas não pensem que menospreze a rosa, a chuva ou as pedras.
Reconheço nelas a correspondência ao mundo.
Invejo de verdade quem as sente, quem as canta, quem as vive.
Quem nelas vê pureza suficiente para as decompor em palavras.
Quem encontra a harmonia das suas formas, a suavidade das suas pétalas e o brilho das sua gotas.
Não pensem que não as acho belas, capazes de iluminar uma página em branco. Pudera eu conseguir faze-lo. Senti-lo no peito e condensar a sua magnitude em versos.
Mas não consigo. Tenho em mim tanta voz que grita, tanto mundo misturado, tantas vidas decompostas. Não consigo espaço, o silêncio necessário para as odes que a rosa, a chuva ou as pedras merecem.
 Não consigo encontrar outra pedra, que não as da calçada, nos caminhos que percorro, tanta vez sozinha, tanta vez no escuro, por entre sons que me furam os tímpanos e me perfuram a alma.
Não há flores nos jardins dos meus mundos. Secaram, foram arrancadas cedo de mais, simplesmente desapareceram, ou não nasceram. O terreno dos meus mundos talvez não seja fértil para as flores.
E a chuva? Essa sim é força constante. Mas não cai do céu. Provem dos olhos, dos rostos que povoam os meus sonhos. Jorram em par, por rostos tolhidos de dor.
Invejo quem vê a luz, o brilho da água, que toca a sedosa capa das pétalas da rosa. Eu da agua sinto o seu frio gélido, a dor das lágrimas. Da rosa sinto os espinhos, o seu perfume azedo de quando secam.
Não escrevo do que não sinto. Da mesma forma que não posso descrever o que não vivo.
Não posso dar mais do que dou, se já dou tudo o que tenho.
São palavras tristes? Talvez sejam.
Mas são as únicas que tenho para dar.

13 de dezembro de 2012

Doce Embalo

Por segundos
Largo a mente
Abandono o corpo
A carne que sente
Entrego ao pensamento
A esperança que o sonho traz
E num repente
Deixo-me ir
No embalo do sonho
Sem olhar para trás.  

Carrego no peito
De dores marcado
O peso do medo
A dúvida do passado
A incerteza que me abala
No enleio do esperar  
No instante, não esperado
Deixo-me ir   
Nas vagas de espuma
No imenso deste mar.

E nesta espera
De respostas á questão
Mergulho no vazio
Numa busca que é em vão
Ao sabor das ondas
Entrego o meu destino
Alma, ser, coração.
O corpo que me trouxe
A mente que o habitou
Perdi-os no caminho.

Tudo entreguei,
Na busca de mil respostas.
O meu ser perdi
Na mesa das apostas.
O corpo largado,
A mente que levita,
Marcas rasgadas nas costas.
Perdidos no silêncio
Entregues a um mundo
Que dentro de mim grita.

Sopro de Luz 12




"A verdade era que se sentia pequenina e insegura. Mergulhada na agora certeza que julgava ser real e no confronto com a duvida que se instalava.
Deixara que o seu coraçao acreditasse que poderia ter em David o conforto porque ansiava, que poderia ter encontrado na profundidade dos seus olhos, a matéria que necessitava para se reconstruir e sentir completa de novo.
As vozes tornaram-se gritos e Eliana tinha começado a escuta-las com gosto.
Deixara crescer nela uma vontade maior, uma luz que lhe soprava doces palavras de conforto.
E de repente, tudo se estilhaçara, como o vidro de uma fotografia para a qual tinha ganho gosto de olhar.
Saiu da casa de banho ainda com os olhos vermelhos do choro. Subiu vagarosamente as escadas para o palco e sentou-se no canto mais escuro, observando os grupos que se formavam pelo espaço.
Começaram o ensaio dez minutos depois.
Eliana sentia-se presa de movimentos, impedida de se deixar envolver pela cena, de mergulhar na personagem que representava.

...


Já fechada no quarto deu largas a sua tristeza. Estava mergulhada num mar de duvidas, medos e inseguranças.
Sentia na pele o cheiro daquele abraço, sentia nos lábios o gosto daquele beijo. E sentia no peito a culpa que não entendia. Não percebia se a mágoa era devido ao receio do que podia sentir ou por não saber o que David sentia. Ou o que Bruno poderia sentir.
Uma vez mais sentia o seu peito atravessar a carne e pairar sobre ela, numa aura vermelho sangue, observando e ponderando, na procura de respostas que não conseguia dar.
Sentia-se presa numa barricada feita de sonhos, onde á sua voltas os cadáveres dos seus pensamentos e recordações, repousavam. Onde cada duvida era um monstro raivoso, mandado pelos soldados inimigos,  pronto a ataca-la e devorar qualquer esperança.
Não se sentia merecedora de sentir. De respirar.
A confusão na sua mente fazia-a ouvir as vozes conflituosas que, em gritos de desespero, ainda a confundiam mais. Uma dor de cabeça forte como uma tempestade que arrastava nas água de um mar colérico toda e qualquer certeza.
 Eliana tomou alguns comprimidos, para ver se a ajudavam a melhorar da dor de cabeça e a dormir, para, por essa noite, conseguir apagar de si o calor dos braços e dos lábios que a prenderam."

In: Sopro de Luz

12 de dezembro de 2012

Céu de Inverno

Entrega-me a culpa
Devolve-me os momentos
Deixa-me tomar como meus,
Todos os teus medos.
Partilha o que dói
Divide o que pesar
Deixa-me ser a mão
Que te ajuda a levantar.
Sob este céu de inverno
Onde juras foram portos
Onde beijos foram promessas
De delícias se escreveram contos
Entrega-me a culpa
Eu aceito, sem receios
Restitui os meus sonhos,
Permite os meus devaneios
Deixa que a lua, muda
A testemunha mascarada
Seja o selo na promessa
De uma quimera desejada.
Entrega de ti
A dor que te sufoca
Sob as estrelas da noite
Num grito, o meu nome evoca.
Faz de nós de novo um.
Faz das culpas e dos medos
O elo que nos ligou
O novelo de segredos
Porque sob este céu de inverno
Que de recordações, a mente ocupa
Podemos ser de novo um
Despidos de medos e de culpa.



Sopro de Luz 11

    "Com a mão afastou levemente os ramos que lhe tapavam a visão.
Tinha passado mais de uma hora desde que saíra a correr do quarto do hospital onde estivera junto de Bruno.
Agora, sentada num banco de jardim no exterior do hospital, respirava fundo pela primeira vez nessa semana.
Tentava, em vão, lembrar-se de algo que lhe fosse útil, de tudo o que aprendera ao longo de 5 anos de curso.
 Coma. Uma palavra tão pequena com um peso tão grande. Ainda lhe ecoava nos ouvidos o som da palavra. Revia na mente, como que em câmara lenta, o movimento dos lábios do medico ao proferi-la. Já tinha passado uma semana? Como podia?
Eliana estava a meio de uma prova, quando foi chamada ao gabinete do orientador de tese.
-Eli, tenho más notícias para te dar. S não fosse um assunto tão serio não te mandaria chamar, mas assim… ligaram do hospital…
Eliana começa a transpirar, só o som da palavra hospital trazia lhe á memória, o ainda presente cheiro a desinfetantes e as paredes de cor creme, sem vida, que ainda há tão pouco tempo tinha enfrentado. A avó tinha falecido recentemente, depois de um mês de internamento. Eliana ia quase todos os dias depois das aulas para junto dela, ate ao final da hora das visitas. Um dos enfermeiros fora seu colega de escola, pelo que sempre que estava de turno permitia-lhe ficar mais tempo. Para quem tinha tanta aversão a hospitais, tinha sido uma experiencia de força de vontade e puro amor.
-Eliana. Estas a ouvir-me? O Bruno teve um acidente!
-Como? O Bruno?.. Que aconteceu?
-Estava-te a dizer, ligaram do hospital. Parece que ele vinha a conduzir a caminho da universidade e um camião não parou no semáforo… o carro foi projectado contra uma árvore da berma…
-Mas… não pode ser. Ele é sempre cuidadoso… põe sempre o cinto assim que entra no carro… ele esta bem não esta? Tem de estar!
-Vai buscar o teu casaco e as tuas coisas. Vou contigo ao hospital. Anda nem argumentes. Vamos falar com o médico.
Na viagem de carro ate ao hospital Eliana vira pelo canto do olho uma lágrima no rosto do professor Jorge. Ou pelo menos parecia, já não tinha certeza de nada do que a rodeava.
Jorge tinha 58 anos. Era professor de psicologia das organizações. Tinha trabalhado em locais de risco durante 10 anos antes de ir para a universidade assumir o cargo de director do departamento de psicologia. Eliana tinha criado logo grande afinidade com ele. Mas também, era extremamente fácil. Jorge tinha um sorriso caloroso e abrangente. Justo, divertido e muito centrado, sempre fora o professor favorito da maioria dos alunos.
Participava em jantares de curso, levava os alunos com ele a trabalhar no campo de acção, era defensor da aplicação de conhecimentos no terreno e não por exames teóricos.
Num desses jantares tinha levado um amigo de longa data e o filho deste. Bruno, professor estagiário na universidade, tinha terminado o curso de antropologia vertente de ensino e investigação e estava agora em estágio final na universidade.
Eliana tinha ficado, como sempre, sentada ao lado de Jorge, com Bruno mesmo à sua frente. A empatia tinha sido imediata. Bruno era moreno, de olhos castanho  esverdeados, cabelo liso ligeiramente comprido em algumas pontas. Não muito alto, nem muito entroncado, uma beleza típica, um sorriso aberto e contagiante. Mas fora o seu olhar enigmático e a sua forma eloquente de falar que a cativaram.
Desse dia em diante começara a troca de mensagens. O bom dia obrigatório ao inicio do dia fazia Eliana sorrir durante toda a manha. Bruno insistia em convida-la para um café mas Eliana recusara sempre, embora desejasse voltar a encontrar aqueles olhos surpreendentemente secretos.
Um dia tinha recebido uma mensagem de Jorge a pedir para ir ao gabinete. Quando lá entrou era Bruno quem a esperava. Trazia uma rosa na mão, e oferecia-lhe aquele sorriso que a desarmava. Na mesa, ao lado do computador, tinha uma bandeja com café e chá. Perante tanta recusa de ir ao café, Bruno tinha trazido o café ate ela. Daí em diante passaram a almoçar juntos na cantina da escola. Eliana estava rendida e apaixonada.
Olhando agora para o lado, via o homem, a figura parental, que tinha proporcionado o encontro com o homem que tanta felicidade lhe trouxera e pelo qual se tinha apaixonado tão intensamente. Seria o mesmo homem, que agora, a conduzia para o sofrimento."

                                           In: Sopro de Luz


E assim começou um sonho, tornado palavras num papel...
Faz hoje 5 anos que comecei, e agora, que cresceram em mim todas as personagens, que convivo com elas como se de amigas se tratassem... estou a chegar ao fim. A um fim que ainda não conheço na sua totalidade.
Desejava que pudessem conhece-las tao bem como eu. Viajar com elas, lado a lado...
Poder partilhar um pouco de cada sorriso e cada lágrima!!
Aos que me tem ajudado posso apenas retribuir na forma de uma palavra "Obrigado".

Preparo-me mentalmente para a despedida desta realidade, já tao cravada na minha pele.
5Anos...
Já avisto as ideias finais de tal trama...Estou quase lá!


E em cada final um novo começo.
"Pintar em Palavras"
"Sopro de Luz"
"Passos nas Nuvens"
e
"..." já a fervilhar de ideias.


Obrigado a todos os que de alguma forma contribuem para que no meio dos gritos constantes da minha mente, eu ouça a voz doce que me segreda tantas vidas para eu contar.

11 de dezembro de 2012

Fadiga

A fadiga que se instala
Nas articulações da minha vida.
Letargia, cansaço
Reflexo do que fui,
Um espelho baço
Memória empobrecida.
A lança de ferro
Por inimigos, empunhada.
A chaga, a ferida
Em carne viva,
Dor sentida
Numa carne já marcada.
O sangue que me pulsa
Em veias já esgotadas.
Vermelho, quente.
A pouca vida
Que ainda se sente.
Últimas batidas compassadas.
A fadiga, bem presente
Que domina a minha vida.
O torpor, a apatia,
A lágrima que cai.
O riso que fingia
A escuridão na alma mantida.
E no luto que me envolve
Pelo negro rodeada
Seco, envolvente.
A sombra escura,
A presença que se sente.
Numa vida, de vida esgotada.

9 de dezembro de 2012

Passos nas Nuvens 3

"Olhou-me nos olhos e esperou. Esperou apenas alguns segundos, até me tomar nos braços, encostando a minha cabeça no seu peito. Manteve uma mão presa na minha, enquanto passava o outro braço sobre os meus ombros. Com a ponta dos dedos acariciava-me o rosto, junto da orelha, em movimentos cadenciados e suaves.
Afastei o rosto do peito dele, onde as lágrimas e o meu cabelo tinham deixado uma marca molhada na camisola.
-Eu sei que custa. – disse-me olhando-me nos olhos. Uma pequena lágrima formava-se nos seus, prestes a deslizar pelo seu rosto.
O meu orgulho e mágoa não me tinha permitido entender que a minha dor era afinal uma dor comum. Que o meu sofrimento era igual ao dele. Que uma vez mais estávamos unidos por uma força maior do que as nossas diferenças.
Apoiei a mão livre no peito dele, onde senti o seu coração bater num ritmo lento e certo, e afastei-me ligeiramente. Apertei a mão que ele ainda tinha posta na minha.
-Custa tanto… Custa-nos tanto.
Cláudio retribuiu o aperto firme da minha mão.
Uma troca de olhares bastou. No segundo seguinte as nossas bocas estavam cheias de promessas, suplicas, beijos e lágrimas.
Por momentos nada mais importava. As nossas peles conheciam-se, os nossos corpos completavam-se.
O sabor familiar dos beijos, misturados com chuva e sal.
A mistura perfeita do doce com o salgado, envolvidos na força de uma necessidade reprimida, firmados na dor da saudade.
Cláudio agarrou-me com uma suavidade segura. Uma certeza, uma fome e sede de beijos.
Eu mal conseguia conciliar a necessidade de tocar a pele dele, com a necessidade de o afastar.
A minha respiração era uma luta entre os soluços e a urgência do seu toque.
A chuva continuava a cair com força, acompanhando as gotas que deslizavam em conjunto pelos nossos rostos.
Afastei-me numa tentativa de retomar o domínio sobre a minha mente e conseguir regularizar a minha respiração.
O Cláudio olhou-me, tentando ele próprio controlar-se. Os seus olhos sorrindo, pousados nas nossas mãos ainda unidas.
Deitei a cabeça no peito dele e ele afastou-me o cabelo do rosto, afagando-me eternamente.
Ficámos ali, parados no escuro.
-Tenho de ir para casa. –disse-lhe acariciando os dedos que tinha pousados sobre os meus.
Depositou-me um beijo nos lábios. Sorriu-me e eu saí. Ligou as luzes do carro e avançou para a passagem.
Debaixo da chuva forte, corri para o coberto da frente da minha casa.
Vi-o fechar o portão da garagem, sair e encostar-se ao portão onde ficou a sorrir-me, deixando a água correr-lhe pelo cabelo.
Nenhum de nós parecia querer mover-se.
O momento congelado no tempo, parecia guardar em si os segredos de muitas vidas. Preservar as promessas feitas sob o sabor das lágrimas.
Suspenso no ar, como seguro por magia, pairava ainda a sensação do toque de duas peles que se reconheciam.
Um raio rasgou o céu, iluminando o rosto de Cláudio, e as pestanas compridas e curvilíneas de onde pendiam gotas de chuva.
Um ultimo sorriso antes de outro raio fazer o tempo correr de novo.
Entrei com o vestido a pingar para o chão, arrastando a cauda pelas escadas.
Não tinha frio, sentia ainda a pressão da mão do Cláudio presa na minha e o calor dos seus braços envoltos no meu corpo.
Olhei pela janela do quarto ate ver a luz do quarto dele apagar-se. Despi-me e enfiei-me na cama ainda com o cabelo molhado mas o coração leve e quente."


In: Passos nas Nuvens

1 de dezembro de 2012

Sopro de Luz 10

"Eliana obedeceu, embora contrariada. A sua vontade era fugir, refugiar-se em si mesma e na possibilidade de chorar até sentir a mágoa toda a ir embora.
David esperou que todos saíssem, subiu as escadas, galgando os degraus da plateia dois a dois e foi desligar as luzes, deixando apenas o foco na sua marcação.
Eliana colocou-se no lugar, mesmo por baixo da luz. Sentia a incerteza domina-la. O medo de não conseguir desligar-se nem um pouco de tudo quanto a consumia no momento. Ali, sozinha no palco, envolvida pela escuridão e iluminada por um só foco de luz, sentia-se nua. Desprovida de protecçao alguma. Nem sentiu os passos de David de volta ao palco, e só deu pela sua presença quando este já a segurava.
-Agora quero que penses apenas na Adael. -Soprou-lhe ao ouvido, num tom praticamente inaudível.
-Concentra-te em quem ela é. No que ela sente. Em como sente cada toque.
Enquanto falava, David rodava as mão de Eliana na sua, tocando ao de leve com as pontas dos dedos nos dela. Rodou o seu pulso a volta do dela, num toque tao suave, que ela mal sentiu os pelos dele a acariciarem-lhe a pele.
David rodou sobre si mesmo e á volta de Eliana.
-Sente, vive, sê…
Eliana encontrava-se já num ambiente diferente. Mas não era Adael quem escutava o espirito, era sim, ela quem ouvia as palavras de David como uma melodia viciante.
Sentia o vento que o movimento dos seus corpos produzia. A dança que descreviam em redor um do outro. O sopro quente que conferia luz mesmo nos recantos mais sombrios do espaço que os recebia.
David tomou-a nos braços, inclinou-a, suportando-a quase á altura de meio metro do chão, apoiando-se num joelho e encostando as costas dela no seu tronco. Olhou-a nos olhos com o seu sorriso desafiador.
Envolvida no momento, cansada de lutar por se afastar da realidade, Eliana deixou-se conduzir naquela dança. Era ela, sempre ela que dançava.
David tocou-lhe ao de leve no rosto e num repente aproximou-se, beijando-a.
A envolvência dos seus lábios, o toque quente da sua língua.
Eliana entregou-se ao momento. Enlaçados, encobertos pela escuridão, eram todo eles luz. Foi um abraço igual a 1000 abraços, um beijo igual a 1000 beijos.
Como que acordada de um sonho, Eliana empurrou David, ao lembrar-se da imagem que ainda á pouco presenciara. Ali mesmo, naquele palco. A cumplicidade entre ele e Cila, a troca de seduções entre eles.
David estancou, com um ar de surpresa no olhar.
Eliana fez força contra o peito dele e ele apoiou-a enquanto a ajudava a levantar-se.
-Desculpa. – disse ele, segurando a mão de Eliana, ainda posta contra o seu peito.
-Deixei-me ir pela personagem…
Eliana afastou-se, virando-lhe costas no palco. Voltou atrás, para junto dele, de lágrimas nos olhos.
-Eu não sou actriz. Não consigo desligar-me de mim e viver só a personagem. Não consigo ver o espectaculo num todo. Ve-lo de fora, como singularidade de outrem.
As lágrimas corriam-lhe pelo rosto num ritmo constante. As mãos tremiam-lhe enquanto falava. Continuou, olhando-o nos olhos.
-Sou eu no palco, sou eu nos ensaios e sou eu aqui, agora.
David ouvia de ar perplexo e tristeza nos olhos. O verde ponteado de cinzas que agora brilhava na eminencia das lágrimas.
-E aqui, agora, sou eu também. – respondeu-lhe num suspiro.
Uma raiva apoderou-se de Eliana.
Ainda há alguns minutos estava na maior cumplicidade com Cila. Seria ele também, ou qualquer personagem diferente?
-Tu sim és um actor. – respondeu-lhe a rapariga por entre lágrimas, elevando o tom de voz, que ecoou pelo espaço.
-Um actor capaz de encarnar vários papeis. Uma serie de personagens que não consigo ler. Capaz de me enlear nos seus monólogos e diálogos fazendo-me duvidar de quem sou e do que desejo… e depois cair.
Girou sobre si mesma, e correu plateia acima, ofuscada pelas luzes que assinalavam os lugares e reflectiam nos seus olhos marejados de lágrimas."


In: Sopro de Luz

22 de novembro de 2012

Sopro de Luz 9


"Eliana passou pelo casal no parque, que, de mãos dadas, aproveitavam os raios de sol que aqueciam o fim de tarde do mês de Maio que prometia ser dos mais quentes dos últimos anos.
Uma nostalgia dominou-lhe o peito, apertando como uma dor aguda.
Sentou-se no banco de madeira junto do lago, com a mão sobre o peito. Sentia o coração bater muito rápido, num ritmo forçado e inconstante.
Apertou uma mão na outra, com força, com os dedos entrecruzados.
Como sentia a falta desse gesto. Dessa partilha de espaço e existência na forma de um toque.
Abatida levantou-se, avançou para a passadeira que atravessou feita autómato, num contacto involuntário com as pessoas que a acompanhavam.
Do outro lado da rua, na vitrine da loja de artigos de música, viu o seu reflexo. O olhar vazio e negro de quem se afogara dentro da sua própria côr. Passou os dedos no cabelo ondulado, tentando compor o que o vento tinha destruído. Tomara conseguir mudar o vazio que a dominava, com um simples passar de dedos.
O sol lançou um dos seus raios quentes na direcçao da vitrine, fazendo brilhar no seu dedo, por entre os cachos de cabelo escuro, o anel prateado. Eliana retirou-o, sentindo ao mesmo tempo o seu peso desaparecer e o peso da saudade aumentar.
Durante as actuaçoes custava-lhe sempre ter de o retirar, e ainda mais lhe custava quando Luís deslizava no seu dedo, o anel de fantasia de Adael.
Mas naquele momento experimentou um sentimento diferente.
Um misto de alivio e culpa. Já passava um ano e quase 4 meses. Quase um ano e meio de um peso emocional que a desgastava fisicamente.
Eliana encontrava no anel não só a recordação material do amor que lhe fora roubado, como também o circulo inquebrável de sofrimento e dúvidas.
Encerrava-se nessa vedação de prata, sendo ao mesmo tempo carcereiro e chave de uma realidade que a restringia e dominava.
Olhou o dedo, desprovido do elo que já tomara como parte de si.
Ao contrario do que esperava, não se sentiu incompleta. Pelo contrario sentiu-se una com quem fora e com quem desejava ser.
Arrumou o anel no bolso da túnica creme que trazia.
Avançou por entre a multidão de jovens que se encontravam a aproveitar o sol, agrupados nos bancos da avenida, enquanto observavam os restantes que se exibiam em cima dos skates.
Parou, observando a fachada do prédio do teatro. Involuntariamente, num reflexo quase natural, deu por si a espreitar para o parque de estacionamento, na procura de algum carro familiar."

In: Sopro de Luz