"Eliana passou pelo casal no parque, que, de mãos dadas, aproveitavam os raios de sol que aqueciam o fim de tarde do mês de Maio que prometia ser dos mais quentes dos últimos anos.
Uma nostalgia dominou-lhe o peito, apertando como uma dor aguda.
Sentou-se no banco de madeira junto do lago, com a mão sobre o peito. Sentia o coração bater muito rápido, num ritmo forçado e inconstante.
Apertou uma mão na outra, com força, com os dedos entrecruzados.
Como sentia a falta desse gesto. Dessa partilha de espaço e existência na forma de um toque.
Abatida levantou-se, avançou para a passadeira que atravessou feita autómato, num contacto involuntário com as pessoas que a acompanhavam.
Do outro lado da rua, na vitrine da loja de artigos de música, viu o seu reflexo. O olhar vazio e negro de quem se afogara dentro da sua própria côr. Passou os dedos no cabelo ondulado, tentando compor o que o vento tinha destruído. Tomara conseguir mudar o vazio que a dominava, com um simples passar de dedos.
O sol lançou um dos seus raios quentes na direcçao da vitrine, fazendo brilhar no seu dedo, por entre os cachos de cabelo escuro, o anel prateado. Eliana retirou-o, sentindo ao mesmo tempo o seu peso desaparecer e o peso da saudade aumentar.
Durante as actuaçoes custava-lhe sempre ter de o retirar, e ainda mais lhe custava quando Luís deslizava no seu dedo, o anel de fantasia de Adael.
Mas naquele momento experimentou um sentimento diferente.
Um misto de alivio e culpa. Já passava um ano e quase 4 meses. Quase um ano e meio de um peso emocional que a desgastava fisicamente.
Eliana encontrava no anel não só a recordação material do amor que lhe fora roubado, como também o circulo inquebrável de sofrimento e dúvidas.
Encerrava-se nessa vedação de prata, sendo ao mesmo tempo carcereiro e chave de uma realidade que a restringia e dominava.
Olhou o dedo, desprovido do elo que já tomara como parte de si.
Ao contrario do que esperava, não se sentiu incompleta. Pelo contrario sentiu-se una com quem fora e com quem desejava ser.
Arrumou o anel no bolso da túnica creme que trazia.
Avançou por entre a multidão de jovens que se encontravam a aproveitar o sol, agrupados nos bancos da avenida, enquanto observavam os restantes que se exibiam em cima dos skates.
Parou, observando a fachada do prédio do teatro. Involuntariamente, num reflexo quase natural, deu por si a espreitar para o parque de estacionamento, na procura de algum carro familiar."
In: Sopro de Luz
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