"Eliana obedecia sem se aperceber realmente do que fazia ou de quem a acompanhava. Não sentia fome, sede ou qualquer outra necessidade.
Estava presa num túnel de cores difusas onde chegavam apenas alguns sons e imagens ligeiramente familiares.
Quando, nessa noite, Luís a levou a casa teve de subir as escadas com ela e ajuda-la a deitar-se. Eliana adormeceu de imediato. Mas os seus sonhos foram povoados de dor, lágrimas e escuridão. Num novelo sem fim que se ia desenrolando a medida que a noite avançava. Eliana via Bruno à espera no altar, a igreja toda decorada de flores lilás e orquídeas brancas. Ela ia subindo pelo altar ao som da música que eles mais gostavam de ouvir. Nesse momento um camião irrompia pela igreja e Bruno era atropelado. O seu vestido antes branco estava agora coberto de sangue.
Acordou de madrugada lavada em lágrimas e a tremer de frio. Levantou-se para fechar a janela. Pela janela via o parque do recreio das escolas. Os baloiços a baloiçarem ao vento, vazios, sós, empurrados por uma força a eles alheia… Também Eliana se sentia um baloiço, onde as crianças tinham deixado de vir brincar, onde o vento fustigava a seu bel-prazer.
O dia começara cinzento, um daqueles dias abafados de Primavera, com algumas gotas de chuva a tamborilar no telhado e os ramos da árvore maior do parque quase a tocar a janela do seu quarto com o vento. Era o dia do funeral. Eliana seguiu no carro funerário com os pais de Bruno. Sentia o corpo entorpecido e pesado como se não lhe pertencesse. O ar da rua parecia quente, abrasador e no entanto chovia e o seu corpo tremia de frio.
Tudo se resumia a escuridão, a sons a cheiros a imagens pálidas de uma realidade imperceptível…"
In: Sopro de Luz
Sem comentários:
Enviar um comentário