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27 de junho de 2013

Pudessem os meus olhos

  Pudessem os meus olhos ser o suficiente para fazer jus ao que veem.
  Pudera eu fotografar com os meus olhos e mostrar ao mundo a magnificência por eles vista.
  Conseguir deixar-vos ver a forma mágica como corre este rio, ondulante em tons de prata e esmeralda. Como dançam as algas impelidas pela ondulação.
  Se pudessem os meus olhos recriar o fascínio das águas cristalinas, descrever o branco da espuma nas suas cascatas, em contraste com todos os verdes que poderem imaginar.
  Pudessem os meus olhos ser o espelho perfeito da alma que sinto nesta corrente, da vida que pulula de pedra em pedra, navegando em ondas nunca iguais num percurso aleatório.
  E os aromas? Porque não posso descrever com os olhos, registar este cheiro a quente e verde? Este cheiro a água que todos dizem não ter cheiro.
  Pudera eu pelos meus olhos dar a conhecer o mundo ao mundo.Deixar o sol que me aquece, e reflecte no rio, ser a luz do meu olhar para todos poderem sentir o que sinto.
  Os meus olhos que tanto veem, pudessem eles explicar fielmente a dureza áspera da pedra onde me sento.
  E recordar pelos meus olhos a agitação do rio, que sinto correr no meu peito.
  Se os meus olhos fossem câmeras e a minha mente o revelador. Pudesse eu mostrar ao mundo, o meu mundo em tantos mundos.
  Poderão os outros ver o que os meus olhos veem?
  Será, por eles, vista a gota cristalina de orvalho que suspende nos ramos finos do chorão, qual lágrima chorada?
  Será ela vista por outros olhos com a mesma magia e graça pelos meus vista?
  Pudessem ser todas as cores absorvidas num olhar e eu, capacitada e fiel, pudesse descreve-las para que todos as sentissem como eu sinto.
  E o verde? Será esta erva vista no mesmo verde que eu a vejo?
  Brilhará ela na luz ou são os meus olhos que a fazem brilhar?
  Fosse eu capaz de pintar ou descrever tudo o que os meus olhos observam e retêm.
  Pudesse eu transmitir e descrever a sensação no meu peito ao avistar o laranja do céu, nas suas linhas pintadas a pincel fino, em cores que não dá para explorar.
  Os laranjas, o azuis, os violetas..
  Pudera eu mostrar o que os meus olhos me mostram.
  Colorir as almas com as cores que eles veem, prender os momentos e reter a maravilha que me rodeia.
  Conseguir combater a desilusão de não haver máquina no mundo capaz de transmitir as imagens presas no meu olhar.
  Pudesse eu ser capaz de devolver ao mundo o que o mundo me mostra.
  Saltar em imagens como diapositivos projectados, como espuma de água que bate nas pedras do rio, dançando em mares de azuis e brancos.
  Pudesse ser mostrada a magnificência que me rodeia, em deslumbre colectivo, que a todos tocasse como abraço quente de alguém querido.
  E a luz? Pudesse eu iluminar caminhos como o que se ilumina à minha frente, recortado em raios que apontam espaços, por entre a vegetação alta que me engole. Quais dedos de luz que me desenham na pele tatuagens iluminadas e quentes.
  Pudera ser dado à visão o poder de reflectir o que vê. De serem os meus olhos espelhos do que sinto, penso e vejo.
  Mas os meus olhos são meros olhos.
  Olhos que apenas observam, olhos que sentem, olhos onde penetram imagens que não sei se mais alguém vê.
  Olhos que absorvem, que doem, que choram.
  Mas nada mais do que olhos. Olhos sem arte, sem magia, sem capacidade alguma para além da que possuem.
  Pudesse eu, por vezes fechar os olhos. Apagar o que gravaram na minha mente. Esquecer as cores que me atormentam. Limpar as dores que sinto.
  Pudera eu controlar o que retenho, o que absorvi e agora não consigo esquecer.
  Meus olhos. Meus pobres olhos cansados de tanto verem.
  Meus olhos. Meu mundo. Minha alma.
  Meus olhos. Que alguém os olhe, profundamente, próximos. Que alguém lhes toque com os seus olhos e que finalmente, neles seja visto o que eles já viram.
  Que possam finalmente partilhar o peso de tanta cor.
  Que finalmente descansem, sem contemplar nada mais que outros olhos.