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30 de setembro de 2012

Fumo Baço

Coisas ténues que nos acompanham
Sombras que ficam do que se sentiu
Marcas queimadas, na pele fria
Cicatrizes na alma que já partiu

Agora que o amanhã chegou
Que me venceu o cansaço
Que finalmente vejo a realidade
Através do frio fumo baço
Deixo-te partir.

Um rasto da luz que ficou
Como marcas de pneus queimados
Simples trecho de uma alma
Esquecida nos perdidos e achados

Pedras afiadas no caminho
Vidros que cortam, espalhados no asfalto
Queda livre, de uma alma ferida
Sem rede que ampare o salto

Agora que o amanhã chegou
Que me venceu o cansaço
Que finalmente vejo a realidade
Através do frio fumo baço
Deixo-me partir.


13 de setembro de 2012

Noite de Vagas e Espuma

Das brumas o silêncio
Das névoas a dor, o pesar
Na noite, vagas, espuma
Nas ondas gélidas do meu mar
Vozes, silêncios, momentos
Pedaços de tempo a rodar
Consumido pelo fogo o desejo
A vontade de gritar

Quem disse que o infinito não tem fim
Na certa das palavras não tinha noção
O infinito só se arrasta
Até ao fim da alma, da vida, do coração

Espero as vagas que me levem
Desejo o fim já merecido
A paz, o descanso, a calma
O fim da dor que consome a alma
A força de um mar contido
Um mar que agora se revolta
Se revela em vagas que ameaçam destruir
Para mim chega, estou pronta
Leva-me, avança. Mar podes vir


12 de setembro de 2012

Sopro de Luz 6

Enquanto se concentrava a tentar descortinar o que significava aquele quadro que observava, começou a chover.

Parecia-lhe uma imagem familiar e ao mesmo tempo tão distante, parte de uma realidade esquecida, de uma vida passada. Sentiu o ruborizar da própria face, o calor que lhe percorria o corpo quando sentia os pelos dos braços arrepiados, o gosto bom de um arrepio desde a nuca ao fundo das costas. A troca daquele primeiro olhar quando conheceu Bruno no jantar. A necessidade de olhar para o próprio prato, observar-se a entrelaçar as mãos no colo, lutando para não olhar em frente… mas a vontade vencia e quando cedia, lá estava aquele olhar enigmático e ao mesmo tempo transparente que a esperava carregado de sorrisos e iluminado por uma luz etérea, pronto para a enredar na mais sublime das armadilhas. Eliana sempre se deixara cativar pelas pequenas coisas da vida. A sombra nas cores das asas de uma borboleta, o som mágico da chuva a cair e bater na terra seca, o cheiro a alcatrão molhado, o por do sol com o seu pincelado de mil cores, uma folha que bailava subjugada a vontade do vento. Nada a preparara para o arrebatamento que um simples olhar lhe proporcionaria. Era como sentir uma rede de antimatéria prateada, uma rede sem suporte, sem massa física, uma rede que a envolvia e forçava a descontrolar-se, a perder a capacidade de reacção, de se impedir ou impelir, fazendo-a capaz apenas de controlar a própria respiração, não lhe facultando mais nenhum controlo sobre si... 
Quando conseguia recuperar as forças e domar essa rede, desviava o olhar do olhar que a prendia e concentrava-se nas palavras que a rodeavam. Mas esse desvio de olhar cedo se tornavam na observação dos lábios de Bruno. A forma como entre frases parava, pressionando os lábios com força, num meio sorriso. As rugas finas que bailavam nos seus lábios enquanto falava. A pequena cova que tinha no centro do lábio inferior e que se acentuava quando sorria. As palavras, não as ouvia, eram apenas um meio de fazer dançar os lábios que fixava.

Transportada para uma realidade no passado, observava, através de uma espécie de fumo baço, como que presa numa esfera de vidro onde as palavras se tornavam ecos e os cheiros da chuva, que agora começava a cair, se misturavam com o aroma da terra e das flores, tornando, de certa forma o ar irrespirável. Quando Leandro lhe deu a mão, o vidro quebrou e voltou o som natural das coisas, as buzinas dos carros e as grossas gotas a cair no lago.


In: Sopro de Luz

7 de setembro de 2012

Pecados

Quando um pecado é mero fumo
Que nos tolda a visão
E se pega na hipocrisia
De uma fe, uma religiao
Um dogma
Para criar a razão
Quando areia é atirada
Aos olhos de quem vê
Tudo é justificado
Apenas porque o é.
E é assinado um contrato
Em que tudo é omissão
Com letras pequeninas
De pura contradição
Feitas de duvida,
De permissão
E reina o egoísmo
Nas frases que ninguém le
Peca-se pelo racismo
Que se finge que não se ve
E a esmola que se da
Em nome da sociedade
É falsa e cruel
Egoísta na verdade
Tentadora perversão
De inimputável realidade
Porque peca aquele que da
E tira com a outra mão
Porque é mau e tirano
Este reinado de opressão
E a gula dos demais
Que se mostram no fingir
Que se rendem aos padrões
Do imoral existir
Na esperança vã
De deixar de sentir
De todos os que vivem
Uma falsa realidade
Que matam aos poucos
Os valores da sociedade.


6 de setembro de 2012

Sopro de Luz 5

Eliana tinha saído ainda de manha sem acordar ninguém. Vestiu o fato de treino mais grosso que tinha, por cima o impermeável cinzento. Quando a chuva começou a cair de forma descontrolada, Eliana aumentou o passo transformando a caminhada numa corrida. Era muito cedo para andar alguém na rua, para mais com a chuva e sendo o dia que era. Eliana encontrou na chuva o abrigo que precisava, correu com toda a força que o seu corpo lhe permitiu, deixou que cada passo nas poças que se formavam fosse um mergulho num mar de purificação. O cabelo pingava água gelada pelas suas costas abaixo, nem o impermeável conseguia protege-la, mas também não importava, a agua era bem-vinda, o frio que a fazia sentir, a energia que lhe dava. Sentia-se a reviver a cada salto por cima de cada pedra, saltava para tocar nas folhas das árvores que ladeavam a rua, recebendo em cheio a agua que dos ramos transbordava. Sentia. Simplesmente sentia. Era como se a água conseguisse despoja-la da tristeza em que tinha vivido nos últimos dias. Como se fosse uma mão que a acariciava e limpava cada ferida… deixou que o mundo que a rodeava se esbatesse até se tornar apenas uma cortina de agua, um mundo de líquidos coloridos, em reflexos de arco iris na luz dos seus olhos. Eliana abriu os braços, rodando sobre si mesma e sentindo-se una com os dedos gelados de agua que a rasgavam para que de dentro de si saísse de novo a luz e o calor que perdera, para que nascesse de novo uma carne com sentidos, com desejos. Caiu no meio de uma poça de água e sentada, riu. Riu de si, riu da vida. E depois entre risadas chorou. Não eram lágrimas de dor. Era o resultado de uma purga que uma alma ferida como a sua necessitava. Com cada lágrima, uma angústia, com cada suspiro uma corda que se partia libertando o seu coraçao. Sentia culpa, mas como podia sentir culpa se cada célula do seu corpo lhe gritava que o que sentia era correcto, era felicidade pura? Estava cansada de lutar contra uma força mais capaz e mais verdadeira do que qualquer outra. Saturada de negar ao seu coraçao ferido a única coisa que o fazia bater de novo em compassos musicais. As lagrimas surgiam em catadupa.
Sentia o calor das lagrimas, o contraste do frio da chuva. E tinha os sentidos apurados, como se tivesse nascido para um mundo novo. Sentia a vida nas pedras, sentia a respiração da água. Sentia o sopro da luz que a envolvia. Sentia tudo. Tinha ganho vida num sorriso, um sorriso que não conseguia tirar do rosto, uma fome que não era física e que nenhum alimento poderia matar. Deambulou por entre as ruas desconhecidas, afagando as pedras que compunham as paredes antigas das casas, sentindo o frio da pedra macerada pelas grossas gotas que insistiam em cair.
Regressou ao albergue. Ainda todos dormiam.



In: Sopro de Luz

3 de setembro de 2012

Sombras

Rodeada pelas sombras
Que povoam a minha imaginação
Enfrentando os monstros
Da minha própria criação
Tentando não ouvir
As vozes na minha mente
Fechar o espírito
Negar a verdade
Tornar me ausente
Vazia de dor
Vazia de sentimento
Calar as vozes
Gritadas ao vento
Recuso sentir
A dor que me invade
Que me rasga a pele
Que me torna cruel
Que me lembra a saudade.
Desejo fechar
Tudo o que esta para trás
Dentro de um frasco
Como memória fugaz
Poder guarda-lo
Bem fundo em mim
Esconder dos outros
Fechar entre os escombros
Pedaços de mim
Esconder e negar
O que tanto me dói
Tentando entender
Aquilo que já foi
O vento que me agride
Que me seca a pele
Me rasga o corpo
Me perfura aos poucos
Me envolve nele
Qual teia que cola
Que prende sem soltar.
Vivo nas sombras
Presas num olhar