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12 de setembro de 2012

Sopro de Luz 6

Enquanto se concentrava a tentar descortinar o que significava aquele quadro que observava, começou a chover.

Parecia-lhe uma imagem familiar e ao mesmo tempo tão distante, parte de uma realidade esquecida, de uma vida passada. Sentiu o ruborizar da própria face, o calor que lhe percorria o corpo quando sentia os pelos dos braços arrepiados, o gosto bom de um arrepio desde a nuca ao fundo das costas. A troca daquele primeiro olhar quando conheceu Bruno no jantar. A necessidade de olhar para o próprio prato, observar-se a entrelaçar as mãos no colo, lutando para não olhar em frente… mas a vontade vencia e quando cedia, lá estava aquele olhar enigmático e ao mesmo tempo transparente que a esperava carregado de sorrisos e iluminado por uma luz etérea, pronto para a enredar na mais sublime das armadilhas. Eliana sempre se deixara cativar pelas pequenas coisas da vida. A sombra nas cores das asas de uma borboleta, o som mágico da chuva a cair e bater na terra seca, o cheiro a alcatrão molhado, o por do sol com o seu pincelado de mil cores, uma folha que bailava subjugada a vontade do vento. Nada a preparara para o arrebatamento que um simples olhar lhe proporcionaria. Era como sentir uma rede de antimatéria prateada, uma rede sem suporte, sem massa física, uma rede que a envolvia e forçava a descontrolar-se, a perder a capacidade de reacção, de se impedir ou impelir, fazendo-a capaz apenas de controlar a própria respiração, não lhe facultando mais nenhum controlo sobre si... 
Quando conseguia recuperar as forças e domar essa rede, desviava o olhar do olhar que a prendia e concentrava-se nas palavras que a rodeavam. Mas esse desvio de olhar cedo se tornavam na observação dos lábios de Bruno. A forma como entre frases parava, pressionando os lábios com força, num meio sorriso. As rugas finas que bailavam nos seus lábios enquanto falava. A pequena cova que tinha no centro do lábio inferior e que se acentuava quando sorria. As palavras, não as ouvia, eram apenas um meio de fazer dançar os lábios que fixava.

Transportada para uma realidade no passado, observava, através de uma espécie de fumo baço, como que presa numa esfera de vidro onde as palavras se tornavam ecos e os cheiros da chuva, que agora começava a cair, se misturavam com o aroma da terra e das flores, tornando, de certa forma o ar irrespirável. Quando Leandro lhe deu a mão, o vidro quebrou e voltou o som natural das coisas, as buzinas dos carros e as grossas gotas a cair no lago.


In: Sopro de Luz

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